Fatores de Mudança na Gestão Financeira Autárquica
1 – Da Gestão Casuística à Gestão Estratégica
Com o regime que se seguiu a Abril de 1974 verificou-se o reforço da autonomia local e da própria situação financeira das autarquias, que orientaram a sua ação para a provisão clássica de serviços públicos locais, no domínio das infraestruturas e equipamentos básicos, como, por exemplo, a distribuição de água, a abertura de caminhos e conservação de redes viárias, saneamento, remoção de lixos e resíduos sólidos. Para desenvolver estas ações e assegurar outras funções que foram ganhando significado, como a animação cultural, a gestão dos transportes, o planeamento dos equipamentos habitacionais e a gestão urbanística, os serviços locais cresceram sem cuidados especiais de organização ou estruturação interna, porque o objetivo era atender, com maior ou menor qualidade, com maior ou menor dispêndio de meios, às necessidade imediatas das respetivas populações, o que foi conseguido em maior ou menor grau, ainda que seja generalizado o consenso de que a obra realizada é meritória e transformou vilas e cidades, com impacto muito positivo na qualidade de vida das respetivas populações.
Desde então que as autarquias responderam ao desafio associado à atribuição de novas competências com o reforço dos respetivos quadros técnicos, promovendo a sua formação e valorização, adquirindo novas competências de gestão, o que permitiu responder com maior eficiência ao processo de desenvolvimento local e às crescentes exigências das populações.
A intervenção das autarquias no campo económico aprofundou-se e assumiu aspetos múltiplos que resultaram do reforço de meios financeiros que passaram a dispor e da legislação que definiu e enquadrou as formas de intervencionismo económico e de apoio ao desenvolvimento local na perspetiva da prossecução dos interesses das populações. Aos executivos compete gerir e conciliar os interesses próprios dos diferentes grupos socioeconómicos locais, sem afetar as opções políticas que devem traduzir os interesses gerais, acima dos interesses particulares.
Deste modo um dos desafios que se coloca às autarquias é o de definir o tipo de gestão a seguir, abandonando a atuação casuística, muitas vezes por resposta a solicitações diretas dos munícipes ou de grupos socialmente fortes, e adotar uma nova postura política, que defina o plano estratégico de desenvolvimento local, elemento essencial para o próprio reforço da autonomia local, na medida em que se revelar como a força «charneira na mobilização e coordenação dos agentes locais para a utilização dos recursos endógenos, da forma que coletivamente se afigure mais racional e vantajosa»[1], gerando desse modo solidariedades e compromissos, capazes de conseguir recursos financeiros em vez de esperar a dádiva ou contribuição da administração central.
Ou seja, vencida a fase das realizações imediatas, as autarquias passaram a estar disponíveis para efetuarem outras escolhas, envolvendo-se cada vez mais nas atividades de suporte económico, como o turismo, o planeamento e, de um modo geral, em todos os domínios que possam contribuir para lançar o desenvolvimento local para níveis mais elevados, exigindo-se-lhes, por via disso, cada vez maior intervencionismo no domínio da gestão e da definição das políticas globais que conduzam ao desenvolvimento harmonioso do respetivo território e a sua articulação com as áreas circundantes.
O desenvolvimento tendencial deste processo acabou por impor às autarquias a função planeamento como o instrumento essencial para definir o rumo a seguir, segundo as prioridades estabelecidas e reconhecidas socialmente, de modo a constituir «um instrumento de promoção do desenvolvimento local, clarificando opções estratégicas correspondentes aos interesses coletivos, constituindo um referencial para a atuação dos agentes públicos e privados, com intervenção sobre o território»[2].
A problemática do controlo está intimamente relacionada com o modo de gestão, o qual, por sua vez, está correlacionado com o maior ou menor grau de descentralização e correspondente leque de atribuições e de meios financeiros cometidos às autarquias. A evolução neste domínio aponta para o reforço do poder autárquico, fenómeno que determina que as autarquias estejam cada vez mais libertas do poder central do Estado. Este, pela função tutelar que exercia, assegurava-lhes os meios e assumia a responsabilidade pelos compromissos, facto que por um lado limitava a capacidade de iniciativa e a autonomia local, mas, por outro lado, introduzia grande margem de segurança no sistema, a ponto de pudermos dizer com Robert Hertzog que as finanças locais estavam protegidas pelo Estado, que «desempenhava um papel de amortecedor da evolução económica ou das flutuações conjunturais»[3].
Ora, no regime anterior ao 25 de Abril, em que as autarquias eram a mão do poder central a intervir a nível local, o Estado não só assegurava os meios como definia as políticas a desenvolver em cada autarquia, através dos representantes que nomeava para esse efeito. Então, a par do esvaziamento de competências políticas próprias das autarquias, estas também não necessitavam de dispor de técnicos, nomeadamente na área económico-financeira, uma vez que apenas lhes era exigido que aplicassem as instruções administrativas emanadas do poder central e financiadas pelo Orçamento Geral do Estado.
O reforço das atribuições e competências do poder local e sobretudo a mobilização crescente de recursos financeiros pelas autarquias, determinou que estas reformulassem as suas estruturas organizacionais, reforçassem os seus quadros técnicos, abrissem as portas a novas tecnologias da informação, em suma, alterassem profundamente o modo de gestão. Mas qual o modelo de gestão mais adequado para uma autarquia? Como gerir uma autarquia? Não raro se ouve afirmar que se gere uma autarquia como uma empresa privada. A ideia subjacente é a de que o modelo de gestão pública é antiquado e que é nos métodos utilizados na gestão privada que se encontram todas as virtualidades, o que leva a concluir que a melhor gestão da coisa pública será aquela que aplique as técnicas do sector privado, reconhecendo-se, em geral, aos políticos ou a quem exponha estas ideias como os mais dinâmicos e mais capazes.
No entanto, aquilo que parece óbvio, e que o discurso político-ideológico transmite, não mostra como da simples aplicação ao sector público, em geral, e às autarquias em particular, dos métodos e técnicas consagradas no sector privado, se transforma a gestão da coisa pública numa gestão racional, produtora de eficácia e eficiência.
Esta é outras das questões que o processo de mudança da gestão autárquica teve e deve atender: mais ou menos sector público local? E se mais sector público local, que gestão adotar? Seguir os métodos de gestão privada para atender primordialmente ao resultado económico da gestão ou ter em conta a especificidade dos serviços prestados às populações para em função de cada um definir o modo mais eficiente de os satisfazer?
No estudo que Yves Luchaire[4] fez acerca dos modelos de gestão dos serviços públicos locais utilizados em diversos países comunitários, classificou o modo de gestão em:
- Gestão direta, compreendendo não só a administração dos serviços próprios e a gestão de serviços municipalizados criados e geridos pela autarquia através de conselhos de administração, como também a administração personalizada que caracteriza as empresas locais criadas para assegurar a provisão de determinados serviços e que se aproximam, em termos de gestão, dos princípios da gestão privada, mantendo-se, contudo, sob controlo absoluto da autarquia;
- Gestão delegada, que compreende a concessão de fornecimento de serviços ao sector privado, o recurso a empresas de economia mista e a gestão associativa ou em “partenariado”, quer com outras entidades públicas ou de utilidade pública, quer com o sector privado.
O problema de gestão pública, vocacionada para a provisão direta ou indireta dos bens e serviços coletivos, deve centrar-se nos fins. Estes devem ser atingidos com os recursos mínimos. Ora, se os fins da gestão pública divergem ou podem mesmo ser contraditórios com os prosseguidos pelo sector privado, compreende-se que os instrumentos de gestão e de avaliação da gestão não sejam os mesmos, ainda que entre alguns deles possa haver similitudes, pontos de contacto e em alguns casos nada os diferencie.
Por outro lado, importa ter em conta que os mesmos métodos de gestão utilizados no sector privado, que conduzem ao crescimento e desenvolvimento de muitas empresas, não impedem a prática de maus atos de gestão em muitas outras, provocando-lhes situações difíceis ou mesmo a falência. Ainda assim a evolução aponta no sentido da gestão do tipo empresarial se impor em alguns domínios da gestão pública ou pelo menos observa-se a diluição desta, por se reconhecer que o modelo burocrático tradicional, em que o importante não é o que se faz, mas a forma como se faz, é um modelo esgotado, devendo dar lugar a um novo modelo de gestão que comporte formas de direção política, de afetação de recursos, visando estratégias de eficiência, podendo contemplar ou não processos de privatização de serviços.
Este fenómeno tanto pode surgir como reação ao peso significativo do sector público na economia, como pela incapacidade política de reformar e modernizar determinadas atividades e serviços ou ainda como forma de subtrair ao controlo das entidades fiscalizadoras da contabilidade pública e às regras de gestão orçamental certas atividades, justificando-se a entrega, neste caso, ao sector privado, com a operacionalidade resultante da maior flexibilidade de gestão. Importa, contudo, ter em conta que esta mudança, isto é, a adoção dos modelos de gestão empresariais ou a privatização de determinados serviços também implica riscos que derivam da dificuldade em romper com os fatores histórico-culturais que enformam a administração pública, além de que essa transformação não garante, só por si, melhor desempenho e eficácia, e, sobretudo, maior acréscimo de bem-estar das respetivas populações.
Por isso, a questão central na escolha do modo de gestão não deve ser entre gestão pública ou gestão privada, mas antes em saber qual o método de gestão mais adequado que, tendo em conta a especificidade das necessidades a satisfazer, assegure maior justiça e igualdade social com o menor dispêndio possível, devendo comportar mecanismos de avaliação e de controlo . A importância do controlo na administração local deverá ser proporcional à fragmentação do papel das autarquias e ao seu cada vez maior envolvimento com o sector privado, pela entrega de serviços ou pela criação de fundações, associações ou empresas públicas locais que atuam como entidades privadas em áreas tradicionalmente afetas ao sector público. Ora, sendo os serviços prestados por estas entidades pagos pela autarquia, isto é, pelos contribuintes, constitui mais um forte argumento para o reforço do controlo que deve incidir sobre a administração local e o universo empresarial local.
A nível local deve atender-se à lógica própria e à especificidade das autarquias que visam atender as necessidades próprias, comuns e imediatas das respetivas populações, sendo em função destas necessidades e dos problemas imediatos, que a sua satisfação coloca à gestão local, que os respetivos métodos devem ser escolhidos, evoluindo estes com a própria mudança no âmbito das atribuições, dos recursos financeiros e de outros fatores históricos e culturais que condicionam a gestão.
Nesta perspetiva, desde que existam regras claras que possibilitem avaliar a legitimidade das decisões, a eficiência e a eficácia obtida na afetação dos recursos públicos nada obsta a que se deite mão das ferramentas de gestão utilizadas no sector empresarial, adaptando-as à realidade pública local ou adotando mesmo um modelo de gestão de economia mitigado, de economia mista, que assegure todas as vertentes consideradas: o fornecimento direto de uns serviços, a entrega ao sector privado de outros e a formação de acordos de cooperação com outras entidades ou autarquias para fornecer serviços.
A presença do elemento financeiro na gestão autárquica revelou-se cada vez mais sentida e resulta da cada vez maior dimensão económica que o sector público local representa. A crescente grandeza dos fluxos financeiros movimentados está em linha com o acréscimo de competências das autarquias, fenómeno que tenderá a aumentar com as medidas de desconcentração e de descentralização anunciadas, o que contribuirá ainda mais para a penetração de modelos de gestão financeira assentes nos novos sistemas de informação, nas novas tecnologias e na captação e desenvolvimento de recursos humanos tecnicamente evoluídos, quer na análise financeira e orçamental, quer no domínio do planeamento estratégico e da criação de instrumentos de validação, responsabilização e controle.
Para tanto, as autarquias têm de se subordinar a um sistema de avaliação da sua ação que, como defende Gérard Fomerand, «passará, em grande medida, pela análise da qualidade e da pertinência da política fiscal local. Assim, a evolução da fiscalidade local poderá ser entendida e aplicada numa lógica do tipo comercial, em que o imposto não é senão um instrumento, entre outros, de marketing local»[5]. Se todas as fontes de financiamento das autarquias resultassem da fiscalidade local, a avaliação de qualidade da gestão desenvolvida poderia, de certa maneira, ser efetuada a partir da análise da carga fiscal distribuída pela respetiva população. A autarquia que apresentasse maior carga fiscal deveria, em princípio, ter prestado mais e melhores serviços públicos do que os recebidos pelas populações residentes em autarquias menos pesadas em termos tributários.
Deste modo, o próprio poder reivindicativo das populações poderia determinar que, para a sua satisfação, houvesse lugar à reformulação das taxas e das tarifas, fenómeno que interessaria as populações pelos assuntos da fiscalidade e do pagamento dos serviços, bem como as despertaria para a verificação das prioridades estabelecidas, do modo como os dinheiros foram gastos, designadamente as despesas com pessoal, aquisição de serviços, deslocações, despesas de representação, apoios a entidades, ou seja, despesas correntes que tradicionalmente absorvem a maior fatia do orçamento .
2 – As Relações com a Administração Central – Poder Central versus Poder Local
A consagração constitucional do princípio da descentralização criou as condições para que as relações entre os órgãos do governo central e do poder local passassem a ser reguladas tendo em conta que a satisfação das necessidades coletivas passavam a ser atribuição de entidades de diferente grau.
Do desenvolvimento do processo de autonomia das autarquias resultou uma realidade conhecida e aceite por todos, que atribuí ao poder local uma grande quota parte das transformações de natureza económico-social levadas a cabo nas últimas décadas, omitindo-se, ou justificando-se com o volume de realizações (que mobilizaram meios que até então as autarquias nunca haviam possuído) os elementos menos favoráveis da gestão e que resultam, em boa parte, da «impossibilidade de se criar centros autónomos de decisão sem criar ao mesmo tempo os locais de erro»[6].
Deste modo a problemática descentralização/centralização continua e continuará a condicionar a gestão das autarquias, na medida em que estas procurarão alargar o seu campo de ação, para pôr essa via reforçar a democracia local, a liberdade de decidir e de manter a especificidade própria de cada localidade, em oposição a uma administração mais centralizada que adotaria soluções mais globalizantes para o todo nacional, assegurando maior segurança e estabilidade ao funcionamento das estruturas.
A solução mais equilibrada será a que conjugue melhor e maximize a correlação de forças presentes no binómio centralização/descentralização, constituindo, como observa Jean-Pierre Sueuer[7], a exigência e necessidade da solidariedade económica e financeira entre as autarquias, uma das boas razões para a existência, em grau equilibrado, do centralismo. Cabe ao Estado assumir-se como o garante dos direitos fundamentais e da redistribuição do rendimento, promovendo, desse modo, o desenvolvimento simétrico em termos verticais, objetivo que, de tão difícil de ser atingido, continuará a alimentar o debate sobre mais poder central ou mais poder local, como fator essencial nas relações financeiras entre o Estado e as autarquias e, sobretudo, como instrumento político, que em última instância condicionará sempre a gestão financeira das autarquias.
Mesmo tendo em consideração os constrangimentos político-partidários que influenciam as relações entre o Governo central e os Governos locais, em particular as tendências de controlo formal que o governo central manteve e desenvolveu sobre as autarquias, e o facto do regime atual privilegiar a autonomia do poder local em vez da subordinação, entende-se que o aprofundamento do poder local exige que os governos locais definam estratégias de desenvolvimento que os imponham como força política capaz de influenciar e alterar a correlação de forças a seu favor, que dependerá fundamentalmente do grau de associativismo local, fenómeno que poderá colmatar a falta da regionalização, beneficiando as coletividades locais e a própria administração central na medida em que esta também colhe uma boa fatia dos proveitos resultantes do esforço de desenvolvimento efetuado pelas autarquias.
3 – Concorrência e Solidariedade entre Autarquias
As autarquias, tal como sucede cada vez mais com as empresas, devem preparar-se para o mercado de serviços públicos, porque os cidadãos serão cada vez mais confrontados com diferentes ofertas destes serviços, que os levarão a procurar este ou aquele lugar em função do grau de satisfação que lhes proporcionem.
Este fenómeno acaba por condicionar alterações nas condições em que se verifica a gestão autárquica, porque se anteriormente o Estado aparecia como agente mediador e coordenador dos conflitos e interesses locais, o sistema atual, caracterizado pela descentralização e consequente autonomia financeira, determina a concorrência entre autarquias, facto que, do ponto de vista financeiro, tem ou pode ter efeitos contraditórios, devido ao incremento das despesas que gera, sem uma evolução tão favorável das receitas diretas, em consequência das isenções ou reduções de impostos locais, taxas e tarifas ou mesmo das concessões ou cedências de património a preços módicos ou simbólicos.
Para enfrentar a concorrência, as autarquias devem preparar-se e evoluir no sentido de se tornarem competitivas, não só a nível da área territorial adjacente, mas mesmo à escala nacional e comunitária, porque é sabido que, por exemplo, no espaço comunitário as administrações públicas representam cada vez mais um dos fatores do diferencial competitivo entre as regiões, o que exige a modernização e mudança dos sistemas administrativos, de modo e criar estruturas organizacionais que favoreçam as relações e sinergias endógenas num quadro de objetivos bem definidos, que resultem do envolvimento da administração local e dos agentes locais na conceção e desenvolvimento de projetos que contribuam para a transformação da economia local e das condições de vida das respetivas populações.
A descentralização e a consequente autonomia dos governos locais, para gerirem o seu património, foram o fator essencial na eliminação das barreiras jurídicas, técnicas e financeiras que freavam a iniciativa local. A manifestação mais significativa da transformação ocorrida está patente na afirmação do poder de intervenção das autarquias locais em termos económicos, uma vez que é a própria lei que lhes impõe a intervenção, visando o desenvolvimento económico e a prossecução do bem estar dos cidadãos.
A realidade mostra que as grandes transformações que se verificaram a nível local, quer ao nível das organizações, quer dos métodos de gestão, e sobretudo no domínio da alteração das condições de vida das populações, foi uma consequência direta da descentralização que, por um lado, alterou as relações das autarquias com o poder central e, por outro lado, permitiu e incentivou a abertura para o exterior, levando as autarquias a estabelecer relações cada vez mais fortes com os agentes económicos e de desenvolvimento local.
A viragem das autarquias para o exterior resultou das condições criadas pela descentralização e do papel cada vez mais interveniente dos eleitos locais na definição de modelos de gestão e planeamento das autarquias, de que resultou que o desenvolvimento local tendesse a ser cada vez mais o resultado de iniciativas lançadas em colaboração com os empreendedores locais e organizações académicas, de investigação e outras de natureza socioprofissional.
Seja através de processos de transformação interna, seja pela celebração de protocolos, acordos de cooperação com outras entidades ou pela criação de condições para o aparecimento de novas estruturas, de iniciativa própria ou não, dessa forma, as autarquias estarão a contribuir para a realização de um objetivo socioeconómico, consubstanciado na criação de emprego, de maior riqueza, de que resulta uma vantagem financeira acrescida pelo aumento do potencial fiscal.
Este processo exige que se observem e analisem os diversos fatores considerados como condicionantes do desenvolvimento local, por forma que a política local definida atenda às especificidades próprias da localidade, adequando os objetivos à mobilização de meios e sinergias endógenas necessários à prossecução de políticas locais de desenvolvimento. Por exemplo, apontar como objetivo o desenvolvimento do ensino técnico e universitário corresponde a lançar as bases para que as populações ao disporem de novos serviços se fixem na região, aumentando a força negocial desta com as empresas que se pretendem atrair ou com os empreendedores locais para a constituição de novas unidades económicas, tendo como correspondência mais emprego, melhores condições de vida e prestígio acrescido para a autarquia. Diga-se o mesmo para as políticas de desenvolvimento cultural que implica o levantamento dos bens e serviços que se tem para oferecer neste domínio, designadamente, a entrada no giro internacional dos festivais e programas culturais, a construção de centros de congressos e equipamentos de animação cultural, visando obter maiores vantagens competitivas, que implicam também a definição de ativa política de informação e divulgação, explorando a força que os meios de comunicação exercem e que também alimenta a concorrência ao veicularem informação quanto aos objetivos, prioridades, execução do plano, grau de satisfação e expectativas das populações quanto à provisão de bens e serviços, contribuindo para a classificação e hierarquização das autarquias. segundo diversos itens.
Nos efeitos perversos que a concorrência entre autarquias pode pôr em evidência, e que se poderão acentuar com o aprofundamento da descentralização, considera-se, em primeiro lugar, o risco de duplicação de provisão do mesmo tipo de bens e serviços e consequente incremento das despesas públicas. Esta situação pode surgir em consequência da concorrência entre autarquias, que não estando sujeitas à avaliação do mercado, gera situações de sobreprodução ou excesso de oferta de bens e serviços em espaços geográficos próximos, mas que os gestores autarcas, por razões histórico-culturais, políticas ou outras, sujeitam a atitudes competitivas.
Um segundo efeito perverso da concorrência entre autarquias, deriva do risco dos gestores poderem abandonar projetos e ações de interesse público pouco produtivos no plano financeiro ou sociopolítico, para centrar as opções no domínio das políticas eleitoralmente ganhadoras, que normalmente apelam para o lado mais superficial das coisas, mas de efeito mediático garantido, elemento importante no processo de decisão política. Um terceiro efeito perverso associado à concorrência é que esta pode acelerar as desigualdades regionais, a não ser que se estabeleçam as solidariedades mínimas.
É na Constituição que encontramos os princípios que fundamentam a solidariedade ao definir como tarefas fundamentais do Estado (art.º 9.º) promover «a igualdade real entre os portugueses», o que significa criar as condições para que todos os administrados usufruam de condições idênticas de utilização dos bens e serviços públicos. Visando cumprir este objetivo, a nível local, a Constituição também define (art.º 238.º) que o regime das finanças locais «visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau».
Mas como respeitar o princípio da igualdade dos administrados em face dos serviços públicos se os residentes de uma autarquia beneficiarem de bens e serviços não acessíveis a outros? Ou ainda, será que uma autarquia com maiores recursos pode ou deve promover políticas de fixação de taxas e preços mais favoráveis, logo discriminatórios relativamente ao resto do país? São conhecidas as fórmulas utilizadas para corrigir as desigualdades entre autarquias do mesmo grau. A primeira consiste na institucionalização de mecanismos de perequação verticais com o fim de compensar as desigualdades existentes através da utilização das transferências financeiras consideradas no Orçamento do Estado. É o caso do Fundo de Equilíbrio Financeiro que consiste numa dotação de perequação distribuída em função da riqueza e do esforço fiscal das autarquias, tomando também em consideração critérios reveladores do grau de desenvolvimento socioeconómico da autarquia e outros para compensação associados, por exemplo, à extensão da rede viária, número de alojamentos, área e população.
A desigualdade entre autarquias também pode ser combatida pela solidariedade obtida por recursos a técnicas da perequação horizontal, cujo princípio consiste em aplicar um adicional sobre determinados recursos captados pela Administração Central, por exemplo IRS, para redistribuir esse valor pelas autarquias menos favorecidas, em detrimento das que disponham de maior potencial fiscal. Apesar de conhecidas as fórmulas para conciliar a solidariedade e a concorrência entre autarquias, essas receitas não são de fácil aplicação e o êxito das mesmas é relativo, tendo, provavelmente, contribuído mais para suster que as assimetrias se acentuassem, do que para promover o desenvolvimento equilibrado do território.
4 – A Gestão das Autarquias e o Mercado
A par das relações de concorrência e de solidariedade ou mesmo de complementaridade que se estabelece entre as autarquias, estas, segundo Yves Luchaire[8] para reunirem os meios necessários ao desenvolvimento da sua ação, devem procurar estabelecer todas as formas de associação possíveis com outras entidades, designadamente, o Estado, autarquias, empresas ou o simples cidadão, fortalecendo desse modo as suas relações com os agentes económicos, por não poderem mais atuar isoladamente, fenómeno que conduz à sua inserção, em maior grau, na economia. Ora, esta flui segundo as regras do mercado, facto que deve orientar os eleitos no sentido de adotar os instrumentos de gestão que melhor se adequem a este tipo de entidades, que apesar de reunirem características específicas de funcionamento e de legitimidade, não só concorrem para o acréscimo dos fluxos económicos e financeiros, como podem assumir a função de motor do desenvolvimento local, contribuindo para que este ocorra de forma harmoniosa, atraindo as atividades económicas mais desejáveis, condição necessária para assegurar mais qualidade de vida e fixar as populações.
Às autarquias compete administrar o respetivo espaço territorial colocando, por via disso, os gestores locais em contacto com os agentes económicos, visto que aqueles têm de decidir muitas vezes sobre interesses contraditórios, por forma a atrair investimento sem perder a noção do interesse público e o apoio dos eleitores.
A concorrência que o mercado exerce, nomeadamente ao nível das infraestruturas (vias de comunicação, saneamento, transportes, etc.) exerce uma pressão sobre a despesa, que não se reflete do mesmo modo sobre os recursos, fenómeno que não contribui para o equilíbrio orçamental. Deste modo, as finanças locais estão em boa medida condicionadas pelo estado da economia local, já que as suas fontes de financiamento estão diretamente relacionadas com a economia, quer pela via da tributação direta e indireta, incluindo as taxas, quer pela via da prestação de serviços e da alienação de bens de investimento, como, por exemplo, a alienação de terrenos como instrumento político da gestão de solos.
Ora, a autonomia das autarquias será tanto maior quanto mais receitas próprias arrecadarem. Estas, por sua vez, provêm da prestação de serviços públicos locais, dependendo muitas vezes da escolha política entre taxas e tarifas. A fixação de umas e outras é da responsabilidade da autarquia, podendo o valor ser fixado por critérios estritamente políticos, no caso das taxas. A evolução, neste domínio, contrapõe a ideia de que os serviços públicos locais devem ser gratuitos a uma outra que conduz a que estes serviços devem tender a equilibrar as suas contas através de mecanismos de preços e tarifas, devendo o sistema criar mecanismos de compensação por forma a manter o carácter social de certos serviços (cantinas escolares, transportes colectivos, creches, etc.) ou definir tarifas adequadas à capacidade real dos utilizadores, tendo em conta o fator custo e a relação incentivo/benefício para estabelecer o preço do serviço (tarifa) ou a taxa a aplicar.
De qualquer modo, se houver uma quebra na atividade económica, com quebra, por exemplo, no IRC, no IVA, nas transações imobiliárias, as autarquias sofrem forte penalização nos seus recursos, que é ainda maior porque em período de recessão exige-se dos governos locais mais apoio social, logo despesa acrescida.
Por outro lado, há que ter em conta que com o desenvolvimento do Mercado Comum e da União Monetária, as empresas procuram adaptar-se a essas novas condições motivadas pela maior amplitude do mercado, em que podem operar, como pelo fenómeno também envolve os atores locais (empresas, universidades e autarquias) no sentido de que cada um procura captar para a sua localidade tudo quanto possa contribuir para o seu desenvolvimento, na perspetiva de proporcionar acréscimo de bem-estar.
Deste modo, a própria construção europeia ao promover transformações nos mercados engendra «impulsos externos», com reflexos inevitáveis na evolução das receitas fiscais das autarquias e nas desigualdades entre as mesmas, podendo também ser fator de dinamismo motivado pela necessidade de fixar os recursos humanos e o investimento, conduzindo ao aparecimento dos «polos de desenvolvimento local», fenómeno determinante de outros autarcas reformularem a sua ação para acompanhar a mudança e a dinâmica da autarquia vizinha ou com quem competem, quer em termos de captação de serviços e saber, quer enquanto fornecedores.
Estes fenómenos, como mostra Jean Bouinot[9], com profundos reflexos na gestão local, estão associados às estratégias das empresas no sentido das fusões e aquisições, que conduzem à concentração financeira, e a que os títulos das empresas mudem a sua localização, podendo mesmo, em obediência aos princípios da produtividade e da rentabilidade, levar à relocalização da empresa e consequente encerramento de unidades em alguns países ou localidades.
Acresce ainda que, acentua Jean Bouinot, no trabalho citado, as consequências para as autarquias associadas às novas estratégias das empresas estão também relacionadas com os «impulsos internos» associados ao encurtamento das distâncias, quer pela via do transporte de alta velocidade, quer pela via das acessibilidades, que aproximam as regiões e os centros de decisão política, questões que, no essencial, se articulam com a gestão do tempo, a qual constitui um elemento importante para a avaliação da qualidade de vida e, da performance atingida pelas empresas, uma vez que traduz reação em tempo real à evolução da procura.
Em consequência dos impulsos internos e externos, as autarquias tenderam a entrar cada vez mais no mercado, guiadas pela perceção de que as condições de gestão para a provisão de determinados serviços públicos seriam mais favoráveis se optassem pela criação de empresas públicas de âmbito local ou fundações ou associação com outras entidades públicas ou privadas para o desenvolvimento de serviços de interesse público. Nesta perspetiva as autarquias tanto podem participar no capital de empresas privadas ou públicas, como na constituição de entidades sem fins lucrativos, intervindo, em qualquer das situações, no desenvolvimento económico do seu território, na medida em que contribuem para a criação e expansão das atividades económicas.
5 – A Gestão Autárquica e as Populações
As autarquias locais assumiram, a partir de 1974, a realização de infraestruturas básicas – abastecimento de água, saneamento, rede viária, equipamentos sociais e culturais – atividade que mobilizou os autarcas, até meados dos anos 80, com o objetivo de propiciar e dar resposta a solicitações imediatas das respetivas populações. O aumento de atribuições e de meios financeiros colocados à disposição das autarquias criaram as condições para que os órgãos locais deixassem de ser os simples fornecedores de serviços, uma vez que as suas funções passaram a ter uma maior amplitude, possibilitando, por um lado, a expansão da atividade local para novos domínios de importância vital para o desenvolvimento socioeconómico, exigindo, por outro lado, uma abordagem integrada da realidade local, por forma a que o desenvolvimento seja endogeneizado para que não se esteja a propiciar serviços para quem já abandonou a localidade quando estiverem disponíveis.
Estas novas condições foram bem expressas pelo então Ministro do Planeamento e Administração do Território[10], quando refere que «passado está o tempo em que a Autarquia Local era um mero prestador de serviços às populações, habitualmente respondendo a pressões que se iam acumulando, não comandando o crescimento, nem se envolvendo na criação de condições que facilitassem a vida económica local». Ora, sabendo-se que «a pré-condição da qualidade de vida dos seus habitantes passa pela garantia de níveis que dependem, diretamente, da saúde da economia local», resulta que a autarquia assuma o fortalecimento da base económica local como elemento determinante para garantir condições de desenvolvimento harmonioso, voltado mais para as pessoas do que para a exploração desenfreada dos recursos naturais.
Neste processo de mudança, há que ter em conta que «o poder autárquico é um lugar institucional, social e político de convergência e interação entre atores sociais, relações estruturais e grupos sociais», daí que a estrutura do poder autárquico corresponda à «configuração territorial dum conjunto interdependente de: 1) instituições políticas e administrativas; 2) funções e responsabilidades sociais e políticas das associações locais e 3) a dinâmica das relações sociais e locais»[11]. Assim, a problemática do poder local não se restringe à simples repartição do poder entre a administração central e a local, centrada no tema centralização e descentralização ou “entre o estatismo e o liberalismo”[12], como também refere Ezra Suleiman, porque a força e grandeza do poder local resulta predominantemente do «processo histórico da transformação das relações sociais» gerador «de novas formas sociais de compromissos e de conflitos entre interesses e grupos diversificados», fenómenos que permitem que a democracia local possa ser analisada, «por um lado, como um processo de decisão seletiva, conforme os grupos sociais, as necessidades ou as pressões das associações locais, e, por outro, como um processo de crescente intervenção das populações e grupos sociais representativos nas orientações da política local e no seu desenvolvimento, integrando os diversos sectores da sociedade local»[13]. Deste modo, o poder autárquico é um sistema político submetido a uma diversidade de influências contraditórias, cabendo-lhe promover realizações e dinamizar a base económica local, com reflexos incrementalistas no respetivo orçamento e, ao mesmo tempo, racionalizar o crescimento da despesa e garantir o equilíbrio orçamental.
Ou seja, nesta teia complexa de relações, que muitas vezes impõe como regra de gestão, a gestão casuística, em resposta a solicitações diretas das populações ou de grupos socialmente organizados e fortes há ainda que saber distinguir, para que a mudança de atitudes ocorra e condicione favoravelmente a gestão, as relações entre a esfera política, a administrativa e os administrados. Todos são atores a representar papéis diversos e nem sempre consonantes. É que há sempre um razoável desvio entre o discurso político, aquilo que se anuncia para o exterior, que a comunicação social, no geral sem memória, transmite a todos, e a prática que forma o quotidiano das organizações. Estas podem estar estagnadas, no mais completo imobilismo, em rutura, que o discurso porá sempre os acentos na mudança, na renovação, na desburocratização, na redução dos custos de funcionamento.
O fracasso desse discurso e das medidas que o mesmo promove está associado ao fator tempo ou ao que Valente de Oliveira[14] designa como «condicionante de peso» relacionada com o «facto de nenhuma política de desenvolvimento se compadecer com o curto prazo e com a obtenção de resultados imediatos», quando se sabe que são estes que orientam a gestão em consequência da avaliação eleitoral a que os gestores autarcas estão sujeitos segundo os ciclos eleitorais. Neste domínio, Hervé Sérieyx[15] refere que os projetos coletivos devem ser desenvolvidos, visando para além do tempo político. Trata-se, por exemplo, de definir o que se pretende para o próximo decénio, envolvendo nesse processo todos os agentes, incluindo as respetivas populações, por forma a que participem no processo de construção de futuro, conheçam as metas a atingir, os recursos a mobilizar e saibam como e quando vão dispor de novos bens ou serviços que acrescentem qualidade de vida e bem-estar.
Deste modo, a relação entre a administração local e os cidadãos deve evoluir para novo estádio, porque mesmo que existam normas legais a obrigar a publicitação das decisões tomadas, a colocar à disposição dos eleitores, em particular, e dos cidadãos, em geral, informações de natureza orçamental, o efeito de tais normas, ainda que importantes e necessárias, será sempre reduzido, e a existir, será sempre em termos de observação da ação realizada, e não no sentido de influenciar o futuro, pela sua participação na definição das escolhas locais.
A maior participação dos cidadãos pressupõe que estes tenham uma conhecimento cada vez maior entre os montantes com que participam para o erário local e a quantidade e qualidade dos serviços que lhe são prestados, devendo, para tanto, nortear-se a gestão pela procura dos resultados, e, sobretudo, pela transparência da administração, porque apenas esta contribuirá para eliminar os efeitos perversos associados ao «clientelismo sociopolítico» e permitirá elevar a responsabilidade de cada um, fator base para a propagação da ética na administração. O fortalecimento das relações entre os gestores autarcas e a população implica desenvolver medidas que promovam a participação da população, seja pelo seu envolvimento na definição das opções orçamentais e nos projetos que o Orçamento sustenta financeiramente, seja nas ações de acompanhamento da execução desses mesmos projetos, promovendo medidas efetivas que coloquem as populações como agentes ativos na governação da autarquia
Joaquim dos Santos Carvalho
Ex-Director Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal do Porto, Consultor.
[1] Raul Gonçalves Lopes, Planeamento Municipal e Intervenção Autárquica no Desenvolvimento Local, Ed. Escher, p. 25 e 140.
[2] Raul Gonçalves Lopes, ob. cit., p. 20.
[3] Robert Hertzog, La Fin de l’État Protecture, Revue Française de Finances Publiques, nº. 38, Ed. LCDJ – Paris, p. 137.
[4] Les Modes de Gestion des Services Publics Locaux, Revue Française d’Administration Publique, nº. 60, p. 549.
[5] In L’influence des modèles étrangers sur le système français, Revue Française de Finances Publique, n.º 38, p. 195.
[6] George Vedel, Décentralisation et Finances Locales: Clés pour la Réfléxion, Revue Française de Finances Publiques n.º 38, p.11.
[7] Les Relations Financières avec l’ État, Revue Française de Finances Publiques, n.º 38, p.20, 1992.
[8] Les Modes de Gestion des Services Publics Locaux, Revue Française d’Administration Publique, p. 562.
[9]Les Nouvelles Stratégies d’Entreprise et l’Évolution des Inegalités de Richesse entre Collectivités Locales, in Revue Française de Finances Publiques, n.º 38, p.150.
[10] Luís Valente de Oliveira, Desenvolvimento e Administração do Território, Ed. MPAT, p. 49.
[11] Juan Mozzicafreddo, Isabel Guerra e outros, Gestão e Legitimidade no Sistema Político Local, Ed. Escher, p.15.
[12] Ezra Suleiman, Terá o Estado Futuro numa Sociedade que Desconfia Dele?, Revista Administração Local, n.º 131, p. 609, Set-Out.
[13] Juan Mozzicafreddo e outros, ob. cit. p. 18 e 113.
[14]Ob. cit. p. 144.
[15] Le Big Bang des Organisations, Ed. Cadmannn-Lévy, p. 152 e 319
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