Quadros & Metas - Consultores de Gestão e Formação

Liderança Transformacional como Componente da Gestão de Recursos Humanos em Organizações Sociais

RESUMO:

Este trabalho tem como objetivo propor o estilo de liderança transformacional como um dos mais adequados para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) lidarem com os desafios a que estão atualmente sujeitas na área da gestão dos recursos humanos (GRH). Tendo por base uma revisão da literatura existente, pretende-se identificar as principais forças e ameaças no contexto da GRH das IPSS, apresentar as principais características do modelo teórico da liderança transformacional e expor as razões que levam a concluir que este estilo de liderança adequado para estas organizações. Sugere-se a realização de trabalhos de investigação que procurem compreender a especificidade da cultura organizacional e da GRH nas IPSS, que avaliem os resultados das práticas que têm sido implementadas nos últimos anos e auxiliem estas organizações na identificação de práticas eficazes na GRH.

Palavras chave: Liderança Transformacional, Gestão de Recursos Humanos, IPSS

 

ABSTRACT:

This work aims to sustain the argument that points out the style of transformational leadership as the most suitable for Private Institutions of Social Solidarity (PISS) deal with the challenges that are currently subject area of human resource management (HRM). Based on a literature review seeks to identify key strengths and threats in the context of HRM of the PISS, presenting the main features of the theoretical model of transformational leadership and explain the reasons that lead to the conclusion that this style of leadership is the more appropriate for these organizations. We suggest the implementation of research seeking to understand the specific organizational culture and HRM in the PISS, which measure the results of the practices that have been implemented in recent years and help these organizations to identify effective practices in HRM.

Keywords: Transformational Leadership, Management Human Resources, PISS

 

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo sustentar a raciocínio que aponta o estilo de liderança transformacional como um dos mais adequados para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) lidarem com os desafios a que estão atualmente sujeitas, ao nível da gestão dos recursos humanos (GRH). Tendo por base uma revisão da literatura existente, pretende-se identificar as principais forças e ameaças no contexto da GRH das IPSS, apresentar as principais características do modelo teórico da liderança transformacional e expor as razões que levam a concluir que este estilo de liderança é adequado para estas organizações. Para facilitar a compreensão das idéias aqui apresentadas, a estrutura do trabalho será dividida por temas. Na primeira parte é feita a caracterização das IPSS, para possibilitar uma compreensão mais aprofundada do contexto onde este trabalho se insere. De seguida serão apresentadas as principais forças e ameaças identificadas na literatura ao nível da GRH das IPSS. Na terceira parte deste trabalho será apresentado o modelo teórico da liderança transformacional, seguido da apresentação dos argumentos pelos quais se considera que o estilo de liderança transformacional deve ser adotado pelos líderes das IPSS.

 

2. CARACTERIZAÇÃO DAS IPSS
As IPSS são organizações sociais sem fins lucrativos específicas do contexto português que têm a seu cargo a quase totalidade da ação social, traduzida na prestação de serviços, constituídas por iniciativa da sociedade civil (privadas), com o “propósito de dar expressão organizada ao dever moral e de justiça entre os indivíduos” (Decreto Lei nº 119/83 de 25 de Fevereiro). A área de atuação destas organizações divide-se entre o apoio a crianças e jovens, jovens e adultos com deficiência, a pessoas idosas, à família e comunidade, a pessoas toxicodependentes, a pessoas infectadas VIH/Sida e suas famílias, a pessoas com doença do foro mental e a pessoas em situação de dependência (CARTA SOCIAL, 2008). Segundo o Decreto-Lei nº 119/83, as IPSS podem ser constituídas sob a forma de Associações de Solidariedade Social, Associações de Voluntários de Ação Social, Associações de Socorros Mútuos, Fundações de Solidariedade Social e Irmandades da Misericórdia, podendo ainda agruparem-se através de Uniões, Federações e Confederações.

A 31 de Dezembro de 2008, estavam identificadas 5500 proprietários de equipamentos sociais, sendo 72% pertencentes ao sector não lucrativo, dos quais 65,3% eram Instituições Particulares de Solidariedade Social (CARTA SOCIAL, 2008). O estudo de Franco, Sokolowski, Hairel, e Salamon (2004) mostra que o terceiro sector, no qual estão inseridas as IPSS, constitui uma parte significativa do emprego nacional, representando cerca de 4,2% da população ativa. Andrade (2009) refere dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social relativos a 2008 que contabilizam 78.864 trabalhadores integrados nos quadros de pessoal das IPSS. O objetivo destas organizações não é a maximização e distribuição de lucro, mas a prestação de serviços que visam a satisfação de necessidades humanas e sociais, numa base de reciprocidade, generosidade e voluntarismo, tendo como base um ideal de participação democrática da sociedade (REIS, 2009). As suas principais fontes de receitas são os financiamentos públicos, que representam 63,8% da totalidade, seguidas das taxas cobradas aos utilizadores dos serviços que correspondem a 24,6%, e por último as receitas obtidas através de outros processos de captação de recursos que alcançam apenas 12% das receitas totais (REIS, 2009).

A forma como as IPSS se envolvem nas comunidades onde estão inseridas, confere-lhes uma posição privilegiada na atividade de prestação de serviços na área social (ANDRADE, 2009). A organização estrutural das IPSS implica a existência de uma direção, um órgão de fiscalização e uma assembléia geral de associados (no caso das associações). Normalmente o desempenho de funções nos órgãos de gestão das IPSS é gratuito, verificando-se apenas duas exceções: o pagamento de despesas decorrentes do exercício das funções e as situações em que a complexidade da gestão obrigue à presença prolongada de membros dos órgãos gerentes, desde que os estatutos mencionem essa possibilidade (Decreto-Lei nº 119/83, Artigo 18º).

 

3. FORÇAS E AMEAÇAS NA GRH DAS IPSS
Vários autores salientam a forte identificação dos colaboradores das IPSS com a sua missão, valores e objetivos (MARTINS, 1999; REIS, 2009; RESENDE, 2007). Estes níveis elevados de identificação com os seus próprios valores fazem com que os colaboradores destas organizações assimilem rapidamente os valores e cultura organizacionais (MARTINS, 1999). Tendo em conta que a missão, os valores e os objetivos são essenciais para motivar os colaboradores e alinhar os seus comportamentos e o seu desempenho com os interesses da organização, pode-se afirmar que esta é uma boa base de partida para a gestão dos RH.

Outro aspecto referido na literatura é o sentimento de pertença e comprometimento dos colaboradores com as IPSS (ANDRADE, 2009; BROWN E YOSHIOTA, 2003; CUNNINGHAM, 2001; REIS, 2009). O fato de por vezes as IPSS estarem instaladas na comunidade onde os colaboradores residem, de estes as conhecerem desde a sua implementação e de existirem muitas vezes ligações afetivas e familiares com utentes das instituições, ajuda a compreender este sentimento (ANDRADE, 2009).

Por outro lado, Reis (2009) salienta a identificação dos colaboradores com as suas organizações, o turnover reduzido em alguns grupos profissionais, a baixa conflitualidade laboral e as fortes ligações afetiva entre trabalhadores e organizações, como os aspectos fundamentais para a existência de elevados níveis de comprometimento. Se entendermos o comprometimento como a vontade dos colaboradores permanecerem na organização e como um indicador da sua motivação, estes dados oferecem algumas garantias de continuidade da força de trabalho nas IPSS. De uma forma geral os colaboradores manifestam níveis elevados de satisfação em relação às atividades que desempenham nas IPSS, o que normalmente está associado à vontade de permanecer nas organizações (BROWN E YOSHIOTA, 2003). A possibilidade de “fazer bem aos outros” e contribuir para “construir um mundo melhor” é apontada como uma das bandeiras das IPSS para fortalecer as equipas de trabalho, uma vez que está em sintonia com os valores morais, ideológicos, culturais e por vezes religiosos das comunidades envolventes (BROWN E YOSHIOTA, 2003; CUNNINGHAM, 2001; FRANCO et al., 2004).

Ao nível da empregabilidade, as IPSS são apontadas como uma fonte de emprego para alguns grupos que têm dificuldade de colocação no mercado de trabalho, nomeadamente para aqueles que terminaram as suas licenciaturas nas áreas sociais e humanas, e para desempregados de longa duração com baixas qualificações (REIS, 2009). A este nível Reis (2009), num estudo sobre o empenhamento nas IPSS, encontrou uma correlação elevada entre os anos de experiência profissional e os anos de permanência nas instituições, o que leva a supor níveis reduzidos de rotatividade em alguns grupos profissionais.

A última força identificada na literatura está relacionada com a recente aposta das IPSS no desenvolvimento das qualificações dos seus trabalhadores e da qualidade dos serviços prestados (ANDRADE, 2009), o que oferece oportunidades de desenvolvimento quer para as organizações, quer para os próprios trabalhadores que podem assim ver valorizados os seus conhecimentos e experiência profissional.
Uma análise às principais forças identificadas nos RH das IPSS permite verificar que estas estão fortemente marcadas por uma vertente humana e emocional. A identificação com a missão, os valores partilhados por organizações e colaboradores, o sentimento de pertença e comprometimento dos trabalhadores, a satisfação com as funções desempenhadas, as ligações afetivas com os utilizadores dos serviços e a percepção de “fazer o bem”, são fatores que encaixam e se complementam, tornando-se muito característicos e quase exclusivos deste tipo de organizações. De um modo geral, os valores como o altruísmo, compaixão, igualdade, respeito e dignidade humana são alguns dos aspectos mais importantes na gestão dos RH, sendo este um elemento diferenciador das organizações que atuam noutras áreas. Tendo em conta que o principal objetivo das IPSS é a prestação de serviços que visam a satisfação de necessidades humanas e sociais, estes fatores são fundamentais para um bom desempenho destas organizações.

Por outro lado, as IPSS assumem-se como uma alternativa de emprego e de carreira que oferecem alguma segurança e estabilidade. Os recentes desenvolvimentos ao nível da qualidade e das qualificações das equipas de trabalho, parecem indicar que estas organizações começam a preocupar-se mais com a sua afirmação, eficiência e eficácia, o que pode trazer benefícios para os seus colaboradores. Relativamente às ameaças identificadas, um dos problemas apontados na literatura prende-se com a gestão das IPSS. A organização e gestão destas instituições está a cargo de uma direcção composta por voluntários que têm a seu cargo a centralização da missão e valores organizacionais, a planificação da estratégia e organização do quadro de pessoal (Decreto-Lei nº 119/83), e nem sempre têm a disponibilidade, formação e experiência necessárias para o desempenho das suas funções (BOWEN, 1994; RESENDE, 2007; RODRIGUES, 2009). Num estudo sobre o insucesso de gestores experientes da área empresarial quando entram para organizações sem fins lucrativos, Bowen (1994) alerta para a possibilidade dos gestores que não se identificam com a missão e os valores organizacionais, implementarem valores completamente desapropriados e condenados ao fracasso. Rodrigues (2009) também chama atenção para o risco da gestão das IPSS se aproximar da gestão empresarial e vir a desvirtuar a missão das organizações que tem por base a criação de valor social e não de valor econômico. O distanciamento que por vezes se verifica por parte dos elementos da direção em relação aos colaboradores é outro dos problemas identificados e dificulta a difusão da missão e dos valores, ao mesmo tempo que impede a direção de proceder a uma avaliação real das potencialidades e fragilidades dos colaboradores (ANDRADE, 2009). A este nível, Resende (2007) refere que a ausência de líderes fortes e com grande carisma pode levar as IPSS a um estado de rendimento reduzido.

Outro problema identificado está relacionado com as condições de trabalho pouco aliciantes, nomeadamente ao nível salarial, onde alguns técnicos ganham cerca de metade do que ganha um técnico na função pública, a desenvolver o mesmo tipo de trabalho. Os baixos salários provocam dificuldades na retenção dos melhores colaboradores, principalmente nos grupos profissionais mais qualificados, com consequências graves para as organizações (ANDRADE, 2009; ESTIVILL, 2003; FRANCO et al., 2004; REIS, 2009; RESENDE, 2007).
Por outro lado, a crescente exigência ao nível da profissionalização e qualificação das equipas, sem que se verifiquem contrapartidas em igual medida acaba por ser uma condição que agrava este problema (ANDRADE, 2009; ESTIVILL, 2003). Apesar das mudanças que estão a ser implementadas nas IPSS terem sido identificadas como aspectos positivos, a forma como estas são por vezes levadas a cabo levantam alguns problemas. A forma como estas práticas são trabalhadas não parece corresponder às reais necessidades das organizações (ANDRADE, 2009). Por exemplo, a formação está implementada em praticamente todas as IPSS mas não existem metodologias para a sua avaliação. A avaliação de desempenho é a prática mais valorizada pelos dirigentes entrevistados, mas existem dificuldade na sua implementação. Os processos de avaliação de desempenho existentes assentam numa lógica quase administrativa de progressão nas carreiras, tendo por base o Contrato Coletivo de Trabalho, sem que sejam criados critérios individuais de desempenho (ANDRADE, 2009).

A necessidade de implementar novos métodos de gestão da qualidade dos serviços e aumentar a qualificação dos RH surgiu principalmente através de pressões externas, nomeadamente do principal financiador das IPSS, o estado (ANDRADE, 2009; JASKYTE, 2004; LUCAS E PEREIRA, 2009; RESENDE, 2007; RODRIGUES, 2009). Estas pressões provocam um sentimento de urgência na implementação de novas ferramentas de gestão que leva à adoção de práticas que demonstraram resultados positivos no sector lucrativo, sem uma avaliação prévia da sua adequação ao contexto específico das IPSS (ANDRADE, 2009). Cunningham (1999) alerta para o risco desta adoção discricionária de práticas de GRH a partir do sector lucrativo, pois pode criar problemas ao nível da autonomia, valores e métodos característicos de trabalho destas organizações. As alterações métodos de trabalho resultantes da adoção de novas práticas e da implementação se sistemas de gestão da qualidade, pode ter um impacto negativo na forma como os colaboradores se relacionam com a organização (CUNNINGHAM, 2001). Um dos problemas que pode surgir é a percepção de alteração nas condições da relação de emprego, o que pode levar os colaboradores a avaliar que a organização violou as expectativas e obrigações iniciais, provocando uma quebra do contrato psicológico (CUNNINGHAM, 2001). Segundo Ferreira (2007) a percepção de violação do contrato psicológico por parte da organização pode levar a alterações no desempenho do indivíduo, perda da confiança na organização, maior intenção de abandonar a organização e menos comportamentos de cidadania organizacional. São também apontados como possíveis problemas decorrentes das alterações em curso, a falta de formação e de capacidade de liderança dos colaboradores, que pode ser um obstáculo à adoção de novas medidas e implementação de novos processos (ANTUNES, 2008), e o elevado sentimento de pertença, que pode levar os colaboradores a desempenhar as suas funções com excessiva autonomia, entrando em choque com as orientações da direção (ANDRADE, 2009; RESENDE, 2007).

Os problemas aqui enunciados podem ser divididos em três áreas. Por um lado foram identificados problemas ao nível da gestão organizacional. O distanciamento dos elementos que compõem as direções, a falta de competências de gestão e a possibilidade destes defenderem valores que não se coadunem com a missão das IPSS, foram os principais problemas apontados. Ao nível das relações de emprego verifica-se uma falta de capacidade das IPSS em proporcionar condições de trabalho, nomeadamente ao nível financeiro, que possam rivalizar com o sector público e com o sector empresarial, promovendo a fixação dos melhores colaboradores e a captação de novos talentos. Verifica-se ainda alguma falta de capacidade de inovação e criatividade, no sentido de criar outro tipo de contrapartidas que possam compensar os baixos salários.

Por último, foram identificados vários problemas ao nível da mudança organizacional. Nesta área os principais problemas identificados são as motivações externas para a mudança, a urgência na implementação da mesma, a falta de planejamento e avaliação das práticas e métodos a adotar e a possibilidade de existirem relações negativas dos colaboradores à mudança. Ao contrário dos pontos fortes que perecem assentar principalmente na componente humana e emocional dos colaboradores, as ameaças à gestão das IPSS apontam para questões mais operacionais ligadas direta ou indiretamente às práticas e métodos de trabalho, mais concretamente às mudanças que estão a decorrer nesta área. Uma primeira abordagem a este contexto, permite concluir que os RH das IPSS estão motivados e comprometidos com as suas organizações, mas com grandes dificuldades em assimilar e acompanhar as alterações, por vezes vividas como intrusivas, que estão a ser implementadas nos seus locais de trabalho. Aparentemente falta algum equilíbrio entre a componente humana e emocional – indispensável para o sucesso das IPSS – e a componente mais técnica ou profissionalizante – indispensável para o seu desenvolvimento e subsistência. Este é o principal motivo para incluir o tema da liderança neste trabalho.

O período que as IPSS atravessam exige maior implicação dos indivíduos, adoção de novos métodos de trabalho, novas competências e o desenvolvimento de abordagens inovadoras para a resolução de problemas. Para “conduzir” os colaboradores através de caminhos até agora desconhecidos, as IPSS devem apostar em lideranças fortes, capazes de lidar com as mudanças internas e externas e que sejam capazes de compreender a natureza destas organizações e o quadro conceptual que explica as suas características únicas. Neste sentido, os lideres devem ser carismáticos, enérgicos, resistentes ao tempo e ter capacidade para uma gestão participativa (ROYCE, 2007). Jaskyte (2004) refere que os líderes transformacionais motivam os colaboradores para transformarem a visão em realidade, o que reflete a principal necessidade das IPSS.

 

4. LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL
Entre as teorias e modelos explicativos da liderança desenvolvidos durante as últimas décadas, a liderança transformacional de Burns (1978) e Bass (1985) tem adquirido um papel de grande destaque. Segundo Burns (1978), através da força da sua visão e personalidade, os líderes transformacionais são capazes de inspirar os seus seguidores no sentido de alterar as expectativas, percepções e motivações, para trabalhar em prol de objetivos comuns. Bass (1985) define a liderança transformacional como o processo pelo qual o líder sensibiliza os seus seguidores para o que é correto e importante e para os motivar para um desempenho acima das expectativas. Gomes e Cruz (2007), apoiados no trabalho destes autores, destacam o pressuposto fundamental associado a este modelo, de que os indivíduos que mais marcam a vida das pessoas são descritos por estas através de atributos da liderança transformacional, independentemente da cultura ou país a que pertencem. Burns (1978) identificou dois estilos de liderança: liderança transformacional e liderança transacional. A liderança transacional baseia a sua ação na legitimidade e autoridade formais, implementa práticas comuns com base nas regras e normas estabelecidas e centra-se no cumprimento das tarefas pré-determinadas. Valoriza a criação de um ambiente de concordância e apoio às idéias propostas, existindo a possibilidade de recompensas pelo mérito e punições pelo não cumprimento dos objetivos ou pela adoção de comportamentos indesejáveis (GOMES E CRUZ, 2007).

Por outro lado, os líderes transformacionais apelam aos ideais e valores dos seus seguidores para alcançar o compromisso com a sua visão e inspira-os a desenvolver uma nova forma de pensar sobre os problemas (PICCOLO E COLQUITT, 2006).
Com base nos resultados das suas investigações, Bass (1990) concluiu que o estilo de liderança transacional resulta em desempenhos medíocres dos colaboradores, enquanto o estilo de liderança transformacional leva a um desempenho superior, principalmente em organizações que enfrentam processos de renovação e mudança. Este autor defende que promover a liderança transformacional através das políticas de recrutamento e seleção, promoção, formação e desenvolvimento, terá resultados positivos no bem-estar dos colaboradores e no desempenho das organizações. Partindo deste modelo, Bass e Avolio (1993) propuseram uma discriminação mais detalhada das várias dimensões da liderança, juntando às duas áreas existentes (transacional e transformacional) um novo domínio caracterizado pela ausência da liderança.

O modelo final é então composto por três áreas que caracterizam outros tantos estilos de liderança, sendo estes divididos por vários domínios (BASS E AVOLIO, 1999): O estilo de liderança transformacional comporta os domínios da “influência nos ideais”, “motivação inspiradora”, “estimulação intelectual” e “consideração individual”.O estilo de liderança transacional é composto pelo “reforço contingente”, “intervenção em crise ativa” e “intervenção em crise passiva”. O estilo de liderança laissez-faire caracteriza-se pelo ausência do exercício da liderança. Segundo Avolio (1999) o perfil de liderança ótimo é caracterizado por baixas frequências no estilo laissez-faire, frequências mais elevadas dos estilos transnacionais de intervenção em crise passiva e activa, aumentando novamente as frequências no estilo reforço contingente, sendo os domínios relativos aos estilos transformacionais, que apresentam frequências mais elevadas. Um estudo sobre os efeitos da liderança transformacional nas organizações sem fins lucrativos identificou uma relação positiva entre as práticas de liderança e a partilha da visão entre líderes e colaboradores, motivação para a realização das tarefas, atribuição de significado às tarefas e a orientação dos colaboradores (JASKYTE, 2004). Segundo este autor, os líderes transformacionais levam os colaboradores a pensar na organização em vez de pensar em si próprios, a terem desempenhos acima das expectativas, estimulam a criatividade, fomentam a capacidade de inovação e a tornarem-se eles próprios líderes transformacionais. Royce (2007), num estudo sobre a implementação de práticas de gestão de RH em organizações sem fins lucrativos, defende que existem três tipos de liderança com características que se adéquam melhor a estas organizações – transaccional, transformacional e inspiracional – embora refira que não existem evidências sobre qual o estilo mais apropriado.

Em jeito de síntese, pode-se concluir que a liderança transformacional comporta quatro dimensões essenciais: a dimensão carismática, que assenta no desenvolvimento de uma visão e na indução do orgulho, do respeito e da confiança; a dimensão inspiradora, com impacto na motivação, no estabelecimento de objetivos e metas elevadas e, na modelagem de comportamentos no sentido de atingir as metas estabelecidas; a dimensão de estimulação intelectual, que implica o desafio, espicaçar os colaboradores com novas metas e com novos métodos para as atingir; e a dimensão de respeito pelos subordinados no sentido de lhes prestar todo o apoio e atenção e da promoção da sua realização pessoal e profissional. O líder transformacional é respeitado pelos seus seguidores, inspira a confiança e é visto como um exemplo a seguir. É proativo e comporta-se de forma a motivar os seguidores, desafiando-os a superar os seus limites e a procurar soluções criativas e estimulantes para a resolução de problemas. Presta atenção às necessidades de desenvolvimento profissional e de persecução de objetivos de cada colaborador, agindo por vezes como mentor. Aumenta o grau de compromisso dos colaboradores para com a visão, missão e valores organizacionais. E para terminar, o líder transformacional é visto como um gestor de sentido, alguém que define a realidade organizacional através de uma visão que reflete a forma como interpreta a missão e os valores nos quais a ação organizacional se deverá basear.

 

5. PORQUÊ A LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL NA GRH DAS IPSS?
Após esta breve discussão sobre as forças e ameaças na gestão dos RH e da apresentação sobre o modelo de liderança transformacional, podem-se identificar algumas idéias que justificam a adoção deste modelo de liderança nas IPSS. Por um lado, numa época em que a envolvente da atividade organizacional transmite claros sinais de mudança, para serem bem sucedidos os líderes das IPSS precisam alterar os comportamentos e mentalidades para se ajustarem aos novos desafios.
Por outro lado, as competências, os comportamentos e os atributos requeridos para o exercício da liderança, não podem continuar a ser interpretados à luz das teorias tradicionais habituadas a descrever líderes transnacionais que apenas produzem a consistência e a ordem.

O caminho para uma liderança de sucesso em organizações que enfrentam fortes mudanças, passa pela aquisição de competências que contribuam para motivar e fortalecer os colaboradores, incutindo-lhes a idéia de que para obter desempenhos que vão para além das expectativas e alcançar a excelência, os interesses pessoais têm que passar para segundo plano em prol dos objetivos da organização. É aqui que entra o líder transformacional. Ele inspira os colaboradores a passar os seus próprios interesses para segundo plano em prol dos interesses organizacionais, presta atenção às preocupações e às necessidades de desenvolvimento de cada um, modifica a maneira de encarar e lidar com os problemas, ajudando os colaboradores a pensar nos velhos problemas de uma nova forma, consegue transmitir significado às tarefas a realizar e é capaz de entusiasmar, incitar e inspirar as pessoas a darem o máximo de si para alcançar os objetivos do grupo. Tendo em conta que um dos principais desafios dos líderes das IPSS é a necessidade de conseguir um equilíbrio entre a forte componente humana e emocional – característica dos colaboradores destas organizações – e a necessidade de elevados níveis de profissionalização e qualificação dos quadros – necessários para o desenvolvimento das organizações e melhoria da qualidade dos serviços prestados – parece que o líder transformacional detém as competências, os comportamentos e os atributos necessários para desempenhar com sucesso esta tarefa.

 

6. CONCLUSÃO
Para terminar, importa salientar que a sugestão aqui lançada para a adoção de estilos de liderança transformacionais nas IPSS como forma de responder aos principais problemas que estas atravessam ao nível da GRH, carece de avaliação empírica, mas fornece algumas pistas sobre aspectos importantes que podem ajudar os gestores destas organizações a tirar o máximo partido da sua força de trabalho. A principal dificuldade encontrada na realização deste trabalho foi a falta de um referencial teórico sobre a gestão de RH nas IPSS que permitisse uma compreensão mais profunda desta realidade. Sugere-se então a realização trabalhos de investigação que procurem compreender a especificidade da cultura organizacional e da gestão dos RH nas IPSS, avaliar os resultados das práticas que têm sido implementadas nos últimos anos, auxiliem estas organizações na identificação de práticas eficazes na gestão dos seus RH e que possibilitem a resolução do conflito existente entre humanização vs profissionalização.

 

Luís António Machado

Doutorando em Psicologia das Organizações e dos Recursos Humanos, Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga (Portugal).

 

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